NÓS FAZEMOS TEATRO

Contra a, ignorância, o terror, a falta de educação, a propaganda de promessas, o conforto moral, a ordem acima do progresso, a fome, a falta de dentes, a falta de amores, o obscurantismo... nós fazemos teatro.

Fazemos teatro pra dar sentido às potencialidades, pra ocupar o tempo, pra desatolar o coração, pra provocar instintos, pra fertilizar razões, por uns trocados, por uma boa bisca, porque é fundamental e porque é inútil.

Pra subir na vida, pra cair de quatro, pra se enganar e se conhecer... contra a experiência insatisfatória; contra a natureza, se for o caso, nós fazemos teatro.

Fazemos teatro pra não nos tornarmos ainda pior do que somos.

Pra julgar publicamente os grandes massacres do espírito.

Pra viabilizar a esperança humana, essa serpente...

Nós fazemos teatro de manhã, de tarde e de noite. Nós somos uma conveniência de emoções, 24 horas distribuindo máscaras e raízes.

Nós fazemos teatro de tudo, o tempo todo, porque acreditamos que a vida pode ser tão expressiva quanto a obra e que devemos ter a chance de concebê-la e forni-la artisticamente.

Porque estamos acordados. Porque sonhamos os nossos pesadelos.

Nós fazemos teatro apesar daqueles que, por um motivo que só pode ser estúpido, estejam “contra” o teatro. Aliás, o que pode ser “contra” algo tão “a favor”?

Nós fazemos teatro contra a mediocrização do pensamento; a desigualdade entre os iguais e a igualdade dos diferentes.

Nós fazemos teatro contra os privilégios dos assassinos de gravata, batina, jaqueta, toga, minissaia, vestido longo, farda, camiseta regata ou avental.

Contra a uniformidade, nós fazemos teatro.

Nós fazemos teatro contra o mau teatro que querem fazer da realidade.

Nós fazemos teatro pra explicarmo-nos – ainda que mal – e ao mal de todos nós dar algum destino menos infeliz.

Nós fazemos teatro pra morrer de rir e pra morrer melhor.

Pra entender o inestimável, se esfregar no infalível, resvalar da nobreza, experimentar as mais sórdidas baixezas, pra brincar de Deus...

Nós fazemos teatro, comendo o pão que os diabos amassam, os pratos feitos que as produções financiam e os jantares que as permutas permitem.

Nós temos fome da fome de teatro.

Porque onde houve e há teatro, houve e há civilização.

Fazemos teatro sim, tem gente que não faz e está morrendo, essa é a verdade.

Fernando Bonassi

-> Extraído do programa da peça “Arena conta Danton” da Cia Livre da Cooperativa Paulista de Teatro.

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